quarta-feira, maio 12, 2010

Arqueologia do Século XX






Fui convidado pela Harumi Ishihara, diretora da Alcatel Lucent para expor no EBC - centro tecnológico da companhia localizado na filial da Anchieta (São Paulo). O texto a seguir foi a minha fala na vernissage:

Quando a Harumi me pediu para expor aqui no EBC logo decidi que não usaria fotos de arquivo. Fiquei pensando o que iria expor num lugar onde se respira o futuro, um local onde as pessoas estão pensando em soluções para necessidades que ainda não temos idéia que vamos ter. Por outro lado, sou ligado a iconografia, já trabalhei muito com objetos históricos e sou fascinado pelo passado. Foi pensando nesses dois mundos tão diferentes que tive uma epifania: Num futuro distante, digamos 2015 ou 2020,afinal a velocidade com a qual as mudanças acontecem, cinco anos fazem muita diferença, um arqueólogo encontra alguns objetos de uso comum no século XX. Fica curioso de como as pessoas viviam com aqueles aparelhos tão simples e rudimentares. A idéia básica da exposição é essa, mas ao longo do processo de produção dos objetos, fotografia e principalmente ao ver as imagens prontas me veio uma palavra: Adaptação.

Vocês já refletiram como nesse admirável mundo novo, todos os dias somos obrigados a nos adaptar? O que prova que Darwin estava certo,não existe nada mais “darwiniano” do que viver em nosso tempo. Na minha área de atuação vi excelentes profissionais perderem o rumo em pouco tempo por que não sentiram a mudança radical que se aproximava. Não sei se vocês conhecem a história do sapo e da panela com água quente. Se você jogar um sapo numa panela com água quente ele vai pular fora imediatamente, agora se ele for colocado numa panela com água fria e a água for aquecida devagar, ele morre porque não percebe a mudança. Dois anos depois que eu já estava fotografando só em digital encontrei alguns fotógrafos dizendo que a fotografia digital não tinha dado certo. Claro que eles saíram do mercado.

Por outro lado, a minha concorrência hoje é formada por uma geração que já jogava Game Boy no útero. Uma geração digital, com uma formação de alto nível. Antigamente, a pessoa se tornava foto jornalista das seguintes maneiras: Ou era Office-boy na redação ou começava no laboratório e ficava perturbando os editores para virar fotógrafo. Atualmente quando um fotógrafo chega numa redação para apresentar o portfólio ele tem formação superior em fotografia, MBA em Nova Iorque o Milão, fala três línguas e o ambiente digital é seu lar. Só o SENAC coloca 40 bons profissionais altamente competitivos por ano no mercado. Como se manter num mercado desse? Adaptação.

Eu levo uma vantagem, eu já era Nerd antes de inventarem a palavra Nerd. Sou de uma geração que na infância o grande sonho era torna-se astronauta. Quando meu pai percebeu que definitivamente eu não seria jogador de futebol passou a incentivar o meu interesse intelectual.

Ele me deu em 1968 o Livro da Juventude da Seleções Reader’s Digest, que tinha uma capítulo sobre o futuro, mais exatamente de como seria a vida no distante ano de 1998. Trinta anos depois já teríamos colônias na lua e viajar para nosso satélite seria mais fácil do que ir para Pirituba.E que provavelmente seríamos transportados pela Pam Am. Tudo bem, do jeito que está o trânsito de São Paulo as vezes é mais rápido ir para lua do que qualquer outro destino. Mas voltando, na mesma época eu li um artigo que vaticinava a era dos “Cérebros Eletrônicos”, nome dado aos computadores já naquela época ainda não existia o conceito de “PC”, eles diziam que essas maravilhosas máquinas iriam ter múltiplos usos e como resultado a humanidade não precisaria mais fazer tarefas chatas, dando mais horas de lazer. Outro item em que o exercício de futurologia errou feio. Assim como a famosa previsão de vários analistas que o conceito de telefone celular estava fadado ao fracasso ou pelo menos seria um aparelho de uso restrito a uma minoria rica. Hoje é fácil dar risada dessa análise mas convenhamos só a bateria dos primeiro celulares pesava alguns quilos.

Outra reflexão, pensando no passado percebi como a gente fica mal acostumado: Na distante década de 50 a minha família foi a primeira na rua a ter uma televisão, uma Zenith usada. Só havia um canal, a TV Tupi canal 3 e a programação começava às 13 horas. Todo dia a minha casa virava destino de uma romaria de crianças para assistir o desenho do Pica-Pau, chegavam dez minutos antes e todos ficavam observando a tela fixa de calibragem com a figura de indiozinho. Como não havia muitos episódios eles reprisavam muito mas nós achávamos o máximo. Hoje eu tenho uma assinatura de TV a cabo com centenas de canais e há dias em que não acho nada de interessante para ver.

Não nos damos conta de que várias das ações que fazem parte da nossa rotina diária aos olhos de uma pessoa de trezentos anos atrás seriam encaradas como bruxaria. O simples acionamento de qualquer aparelho com controle remoto daria uma bela fogueira. Estamos tão acostumados com a vida que temos que não damos valor a alguns benefícios simples da tecnologia. Durante um trabalho, a produção de fotos de documentos e objetos históricos para a coleção “Vida Privada no Brasil” da Cia. Das Letras, fiz um mergulho nos primeiros séculos da história do Brasil. Trabalhei com uma pesquisadora que vivia dizendo que queria ter nascido no século XVII e como eu acho que nasci na época certa resolvi rebater. Entre vários argumentos, vou citar dois : A expectativa de vida era de 35 anos,bastava um pequeno corte ou uma infecção dentária e você já estava condenado. Segundo, hoje eu posso ouvir no meu celular a orquestra Filarmônica de Berlim com o maestro Herbert Von Karajan a hora que quiser. Para ter acesso este prazer no século XVII eu precisaria ser um nobre. Tudo bem que a tecnologia pode ser mal usada, tem gente que usa esse mesmo recurso para escutar Axé. (Algum fã de Axé? Desculpe.)

Esse mesmo celular, que não é nenhum modelo high end, perfaz todas as funções de todos os aparelhos que foram fotografados. Essa substituição é feita com mais funções, rapidez e com mais qualidade. Ou seja é um pedaço do caminho do Santo Graal da tecnologia, a mítica convergência.

Me contaram a seguinte história, que já descobri que virou uma das lendas virais da Internet: Uma menina de seis anos descobriu na casa do avô uma máquina de escrever. Colocaram papel e mostraram para ela como aquele objeto funcionava, no começo ela ficou fascinada com aquela impressora que já imprimia conforme ela escrevia. Mas logo ficou decepcionada ao descobrir que não tinha HD ou cartão de memória para salvar o que tinha escrito. Já disse aqui que a futurologia é uma pratica com grandes margens de erro, mas não consigo evitar uma pergunta: Será que daqui alguns anos o meu neto não vai perguntar com a gente vivia se implante neural?

3 Comments:

Blogger jardinsdainfancia said...

A sua idéia é muito boa e o discurso melhor ainda parabéns!!!!

10:02 AM

 
Blogger adriana said...

É sempre interessante e também angustiante o nosso confronto com o tempo...
Ficou muito bacana!

12:43 PM

 
Blogger Unknown said...

QUE LINDO!!!!!!!

8:45 PM

 

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